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Num
lugar de terra seca, onde a maioria dos habitantes jamais cruzou outros
caminhos, senão aqueles que empoeiram os próprios pés, vive o seu Geraldo
Coelho. Não como um ser humano de um
distrito, cidade, viela ou megalópole qualquer. Há exatos 38 anos ele vive numa
toca, como um coelho fugidio. A cidade mais próxima é Comercinho do Bruno, incrustada entre vales do Vale do Jequitinhonha. Mas seu Geraldo não gosta de cidades...
É
desconfiado. Não gosta que pessoas desconhecidas se aproximem. Não se sabe se
por trauma ou algo que sua mente não consegue discernir, ele sempre acha que
qualquer pessoa desconhecida quer levar suas terras. Vai logo dizendo pra mim:
“pode levar a terra, o juiz já riscou, pode levar, pode levar”. Pouco sabe seu
Geraldo que, da terra nada se leva, a não ser os sete palmos, pelos quais já há tanta briga!
Ainda
solteiro aos 85 anos, seu Geraldo Coelho conta que nunca namorou, nunca deu um
beijo em mulher alguma. Isso não se sabe. Sabe-se, no entanto, que mesmo
vivendo fora do mundo, ele é antenado, pois nunca se aparta de um velho rádio a
pilha, amarrado com velhos pedaços de pano. E dali, de um lugar distante da civilização
como a conhecemos, é que ele ouve o que acontece no mundo.
Passa
os seus dias levando um pouco de terra pra lá e pra cá, como a consolar os
passantes, numa eterna ilusão de que seus pés não se encherão de poeira.
Ao
contrário dos coelhos, que buscam em outros capinzais, alegria para seus dias,
seu Geraldo jamais sai da sua toca, senão para a estrada de chão batido, abaixo
daquilo que ele pensa ser um lar. Sua
mente vacila, como dos loucos.
Durante
o dia, ele dialoga com o sol e, à noite, com as estrelas. Se não há sono, o som
do radinho corta o silêncio. Gosta do vento que bate em sua pele ressequida.
Convive bem com os animais, com os quais divide a toca e a vida. Todos o
conhecem e o respeitam.
Já não se lembra de sua infância, nem de seus
pais, mas sabe quem governa o Brasil. Em seu mundinho, vivido dia-a-dia sob uma
toca entre duas rochas, ele vai discorrendo sobre coisas que ouve, graças às
ondas do rádio. Em gesticulações
nervosas, entre mãos que cortam o ar, ele profetiza sobre o fim dos tempos.
Acredita que as novas relações entre pessoas do mesmo sexo- ouviu isso também
em seu radinho de pilhas- ainda fará com que Deus derrame juízo na terra. Diz que nunca beijou uma mulher, mas jamais
beijaria um homem. Acho graça da colocação e ele se zanga comigo. Fico séria e
ele continua suas divagações.
Suas
histórias varam a tarde, que já vai longe. A fome aperta. Seu Geraldo não quer
mais falar dele mesmo, pede-nos licença e volta para sua toca. Calado,
sorumbático e, como uma ostra, incrusta-se em si mesmo para, quem sabe, viver
outras longas décadas, como um coelho, em sua toca.
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Seu Geraldo, vivente em terra seca |
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Há 38 anos longe do mundo |
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Gestos incertos |
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que somente sua enxada entende |
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O rádio a pilhas que traz notícias do mundo |
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Um homem, uma vida, uma toca |
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Um lugar chamado Landinho, a visão de mundo mais próxima de seu Geraldo |